sexta-feira, 13 de setembro de 2013

o Google assusta-me

Boas,

amanhã é dia de viajar de novo. Lembro-me de ser garoto e ficar todo entusiasmado quando tinha direito a andar de avião... fazer a mala era engraçado, passar todo o protocolo associado aos aeroportos, ver um sítio novo. É sempre genial.
Uns anos de doutoramento e começo a fartar-me disso tudo... não teria sido melhor ter arranjado um trabalho mais normal num sítio fixo e que não me obrigava a ser apalpado pelos seguranças uma vez por mês? Podia ser um trabalho menos interessante mas provavelmente mais simpático onde ia ter direito ver as velhas amizades e família regularmente...
O Google deve imaginar isso e como agora sabe demasiado da minha vida, só por ter acesso a todos os emails que escrevo e recebo e gerir o meu telemóvel com o Android, decide ajudar um bocadinho.
O telemóvel avisa-me uns dias antes sobre a viagem, o que tem a parte boa de me mostrar o número do bilhete e essas tretas todas que eles nos pedem no aeroporto, e também as temperaturas no destino. 26º hoje em Catânia e é junto à praia. Eu não lhe pedi para ele me mostrar estas coisas mas ele mostra só porque as sabe e sabe que pode vir a dar jeito.
Fora o medo do Google isto até me deixa entusiasmado... mesmo sabendo que a ideia é ir para lá trabalhar, os fins de semana são livres e vou ter direito a mais uns dias de praia, os italianos têm café decente e também produzem bom vinho. Vai ser óptimo.

Sobre eu me queixar sobre talvez não ter sido a melhor decisão ter decidido fazer um doutoramento não liguem demasiado... como li num livro muito interessante, Slaughterhouse-Five, or The Children's Crusade: A Duty-Dance with Death

"God, grant me the serenity to accept the things I cannot change,
The courage to change the things I can,
And wisdom to know the difference"

e estes meses foram tempo de mostrar a mim próprio que conseguia voltar a tentar fazer um doutoramento (o que ainda não consegui mas parece que vou ficando mais perto), quanto às coisas que não consigo fazer que sejam como eu queria só tenho que ser tranquilo, porque no fundo, de que vale estar triste com elas quando vou para a praia a meio de Setembro fazer alguma matemática. E também sei que qualquer dia volto a casa por isso nem vale a pena preocupar-me com mais uns meses de distância (casa quero dizer país, não a casa dos meus pais que aí eles obrigam-me a rachar lenha). 

Um abraço e pensem em fazer doutoramentos, é uma vida engraçada, (tirando os aeroportos)

PS: eu dei o crédito da frase ao livro porque foi lá que a encontrei mas na realidade é muito conhecida, é usada também nos alcoólicos anónimos e vem de uma oração católica que começou na América chamada Serenity Prayer, (que não vale a pena ler toda que descamba em "vive um dia de cada vez que Deus proporciona", mas a versão curta faz algum sentido).

domingo, 1 de setembro de 2013

É sem medo

Bons dias,

já não escrevo no blog há uns meses e, teoricamente, agora devia estar a tentar fazer alguma matemática mas em vez disso decidi vir para aqui escrever.
Gostava de escrever sobre Julho e Agosto, como foi andar de bicicleta na Holanda, beber uns copos de vinho por Portugal e ir às termas na Hungria. Mas não vai ser hoje... hoje queria só escrever sobre a minha última consulta no Royal Leamington Spa Rehabilitation Hospital.

Como bom aluno que sou, fui falar com o Miles antes de ir para Leamington e quando estava para sair, um professor que veio visitar o Miles fez a piada, "deves ser um dos melhores clientes da clínica". Não sei se ele estava a dizer, "estás no grupo dos mais inteligentes que lá vai" (o que é bem provável já que muitos nem conseguem falar) ou se sou dos que lá vai há mais tempo e mais vezes. Seja como for é um bocado verdade mas se eu aprendi alguma coisa nesta história toda é que nunca se tenta fugir dos hospitais... (fiz tudo para sair mais rápido do primeiro e depois fodi-me à grande quando estava em casa).

Fui um bocado mais cedo para poder comprar uma BD (Watchmen) caso me calhasse ficar muito tempo à espera da consulta... acabei por não a abrir. Embora tivesse de esperar meia hora, as terapeutas que me acompanharam na clínica durante meses ficaram todas contentes de passar essa meia hora a conversar comigo.
Da última vez que tinha conversado com algumas parecia-me que ainda me tratavam como um doente... sempre a típica conversa do "se correr mal não tem importância... já foi uma grande vitória estares assim". Na altura eu também tinha esse pensamento debaixo do metal por isso não me posso queixar muito mas desta vez, no fim de uns minutos a contar como me correu o ano e as férias, já faziam piadas e riam-se sem problemas, uma delas pediu-me para contar os novos boatos da minha vida e até achei que houve uma que estava para me convidar para sair. Parecia que desta vez, estar na clínica não ia ser assim tão mau.

Quando chegou à hora da consulta pensei que ia ser como nas outras... umas perguntas de rotina sobre a vida e depois uns testes aos movimentos, à memória e uns quantos de perspicácia. E acabou por ser assim, mas desta vez com um final diferente... 
Os testes correm optimamente, acho que já fiz tantas vezes o teste de dizer nomes de animais em inglês que agora já podia trabalhar no jardim zoológico, a pergunta de matemática era "quanto é 100-7?" e depois subtrair 7 a cada resultado que íamos obtendo. Estive quase para perguntar se havia algum truque na pergunta mas não... era mesmo essa a pergunta só que eles não sabem que eu aprendi a tabuada antes de aprender a falar senão não me perguntavam uma coisa dessas. O dos movimentos e visão também era um bocado fácil (eu estas férias até lenha rachei mas isso eu conto depois) e o teste de memória foi basicamente ouvir uma morada, 
    "John Marshall 
    24 Market Street 
    Spilsby
    Lincolnshire"
que eu tinha que dizer no fim da consulta. Eu avisei logo que me ia esquecer da palavra Spilsby porque nunca a tinha visto escrita e não significava nada na minha cabeça e assim foi. Mas tudo somado acabei por estar muito melhor do que ele esperava e já não havia nada que a clínica pudesse fazer por mim por isso aquela era a minha última consulta.

Depois leu o que a médica anterior escreveu quando fui a uma consulta em Janeiro. Basicamente escreveu que eu estava a abusar de mim... Não era suposto voltar tão cedo para um doutoramento e não devia ter decidido dar aulas. Queria que eu fizesse um teste mais extenso às minhas capacidades para que conseguissem encontrar cada problema que eu ainda tivesse (e tenho de admitir que ainda tinha bastantes) e pudéssemos trabalhar para os resolver e assim talvez viesse a correr tudo bem. 

Não cheguei a ir a essa consulta porque não vi a carta a tempo e tinha mudado número de telemóvel por isso não recebi a mensagem. O médico perguntou o que é que eu achava, ainda queria ir a essa consulta? Claro! Se ainda puder melhorar alguma coisa não vejo porque não. Ele disse que é noutro hospital mas ele ia falar com o médico... só que não acredita minimamente que eu precise da consulta por isso não vale a pena considerar que vá acontecer. A não ser que o outro médico esteja curioso para me ver, porque no fundo, sou um caso esquisito! Segundo as palavras dele, "quando chegaste à clínica e perguntaste quanto tempo achávamos que ias demorar a ficar bem para voltar ao doutoramento, nós sabíamos que essa pergunta não tinha resposta... nunca ias voltar! Afinal voltaste... Parabéns!"

Portanto relacionado com esta queda em específico já não volto à clínica e se tiver uma consulta vai ser só porque agora sou um rato de laboratório. Yeah! (E voltaram a dizer-me que querem escrever o artigo).

E pronto, é o final desta história! No fundo eu só fui ver como é que é para contar como é que foi. E como hei-de pôr as coisas agora... foi assustador, foi fodido, foi genial, foi exaltante, foi deprimente, foi triste, foi revoltante, foi... foi muita coisa. Tive que viver mais experiências em dois anos do que tinha vivido nos 24 até à hora do acidente e embora me tenha trazido a beleza e satisfação de apreciar bons momentos aos quais já não dava o merecido valor (e já imaginava ter perdido para sempre), também tive de lidar com o facto de, provavelmente, nunca conseguir cumprir os objectivos de vida que já tenho desde os meus 16 anos... 

Mas o tempo passa e às vezes, no fim de muitos meses sempre com o pensamento de que nem vale realmente a pena desejar nada da vida para não acabarmos desiludidos, tudo melhora. Ainda me vai ser difícil acabar o doutoramento num ano (que é o tempo que vou ter bolsa) mas se acabei o curso um ano mais cedo do que devia agora também vou conseguir acabar o doutoramento a tempo (mesmo tendo partido a cabeça pelo meio).

Eu sei que muitas vezes não consegui chegar perto da pessoa sempre confiante que era mas isso, mesmo tendo demorado imenso tempo, já passou. Agora vou aproveitar a tranquilidade que veio depois de todos aqueles "foi" e viver como sempre vivi... a esticar sempre as coisas ao máximo para ver até onde consigo chegar e acima de tudo, rir-me e divertir-me.

Para acabar só quero dizer que, estando esta história acabada, agora é preparar-me para a próxima aventura que a vida me traga! Pode ser algo muito bom ou pode ser outra história fodida mas venha o que vier sei que tenho família e amigos sempre ao meu lado e isso é o que me faz olhar para o futuro e dizer "é sem medo"!

Um grande obrigado a todos e vou ver se vou dormir, 
(ter "alta" do hospital foi motivo para celebrações)